domingo, janeiro 11, 2004

Visita Guiada

Aceito o repto e, pé ante pé, percorro esta Lisboa a que também chamo "lar".
Uma casa atapetada de pedra, com imensos padrões de tirar o fôlego, mas pelo qual mil e uma pessoas, que passam sem sequer olhar, cobrem de passos céleres, com cerol de se perder, com medo de se encontrar. Um pavor pré estabelecido, de alguma forma camuflado pela urgência de viver; nesta casa sem paredes, nesta casa sem tecto, nesta casa sem família, mas em que são todos parentes sem disso se darem conta.
Sem pudor de me perder, entro no eléctrico e subo até ao "bairro mais alto do sonho" de onde se consegue avistar quase na totalidade esta grandiosa cidade, que se ergue perante os meus olhos com toda a sua imponência, enquanto, sem palavras, ela grita: "Cá Estou Eu!", julgo ser feliz...
Um quadro emoldurado pelo azul celeste, exibe graciosamente uma cidade de contrastes, que invadida por monstros cinzentos, insiste em manter a sua identidade. O verde em constante luta com o concreto dos edifícios teima em surgir nas janelas das Águas Furtadas, onde por vezes pára um passarito embelezando ainda mais as fachadas já de si perfeitas.
Sempre presente, do outro lado, o castelo! Uma relíquia de outros tempos, pachorrento no seu isolamento, mantém a postura de patriarca, que apesar do silêncio indicia uma personalidade forte, mas igualmente adaptável a qualquer audaciosa inovação.
O miradouro da Graça tem todos os ingredientes para que se possa assistir a um pôr do sol capaz de derreter as mais duras pedras do planeta. E em Alfama, na Mouraria, e em qualquer outro bairro, sentimos o gozo de percorrer ruas estreitas, que inevitavelmente tornam só uma, imensas familias que ali habitam, numa singular forma de vizinhança que a torna pura.
E o Tejo, a rasgar a tela como que se impondo, com todo o seu esplendor, sobre a quantidade infindável de carros em estradas ínfimas, que serpenteia, qual labirinto, aqui e ali, querendo tomar um lugar que não é seu por natureza.
E o cheiro? Um cheiro a vida, um cheiro a nosso, um cheiro a Lisboa que só ela sabe ter! Um cheiro a certezas e incertezas, um misto de verdade e mentira, de realidade e ficção. Enfim um cheiro a vida...